Entre Nós #4: Necessidades formativas docente no cenário do ensino superior atual: o papel do docente e discente no processo de ensino aprendizagem.

TEMA: Necessidades formativas docente no cenário do ensino superior atual: o papel do docente e discente no processo de ensino aprendizagem.

Autora: Stéfani Diniz Teodoro
Texto dissertativo apresentado a disciplina de Docência no Ensino Superior - Pós graduação em Ensino de Ciências e Matemática / UNIFESP | 2017.


      Partimos da construção ideológica da carreira docente, em andamento no Brasil, trazendo à luz um panorama cercado por conflitos, que por vezes remetem a precariedade e imediatismo inseridos na formação inicial e continuada desses professores. Isso nos permite analisar as perspectivas do conflito em sua ordem histórica, social e política ao longo do tempo.
     A opção pela carreira docente, dentro desse panorama pode nos sugerir uma relação direta das visões que o professor tem de si próprio, sua concepção de mundo e de representações sociais. Ou seja, para Bourdieu (1989), a escolha profissional não é simplesmente, obra de uma decisão consciente, mas, por vezes, seguem caminhos obscuros, interiorizados e momentâneos, advindos de toda uma bagagem antecessora, e podem influenciar as tomadas de decisões quanto ao itinerário profissional. Ainda que, em paralelo, o apelo ao “dom vocacional”, para justificar a escolha pela carreira, contribuam para discussões fundamentadas entre ideais e idealizações (BOURDIEU, 1998). 
       Huberman et al., (1990), direciona seu olhar a pesquisar tendências para o ciclo de vida do profissional docente, deixando claro serem preposições (e não regras), mas que o professor dificilmente não se identificaria com pelo menos uma dessas fases. Os três anos iniciais da carreira docente são marcados por duas fases principais: a fase de “sobrevivência” e a fase de “descoberta”. E nestas situações a memória acadêmica do professor acabará sendo seu maior apoiador em situações problema. 
      Quando descrevemos o que vem a ser “sobreviver” em sala de aula, é possível evidenciarmos o abismo de aplicabilidade entre a teoria pedagógica difundida na academia (ou a prática vista em estágios supervisionados), e a sua real e legítima preocupação em apenas sair daquele espaço em sua integridade física e mental. Nesse ponto, refletir sobre sua prática enquadra-se ainda em uma utopia profissional, e esse professor irá buscar referenciais que obteve ao longo do seu percurso como estudante, para resolver suas questões imediatas. 
     Outro aspecto importante, em contrapartida, é a fase de “descoberta”. O professor tem seu objetivo educacional definido, e isso lhe confere entusiasmo com a sua função, pertencimento a unidade escolar e a responsabilidade sobre a dinâmica educacional. Em alguns casos, a sobrevivência e a descoberta permeiam caminhos paralelos e singulares na vida do profissional, mas podemos identificar casos onde há o entrelaçamento dessas fases, e isso, definirá a linha teórica profissional desse professor, e seu objetivo quanto à educação (HUBERMAN, 1990). 
       Huberman et al., (1990) descreve ainda que, superado os primeiros anos cruciais da vida profissional na docência, o professor em seus diferentes perfis, poderá ir de encontro a fases subsequentes: Estabilização, Diversificação, Serenidade e Distanciamento afetivo, Conservantismo e Lamentações e Desinvestimento.

  • Estabilização: Em termos práticos, na fase de estabilização o professor tem traçada sua base pedagógica (conhecimento) e filosófica de ensino, onde acentua-se a sensação de liberdade acompanhada por sentimentos de competência e consolidação latentes.
  • Diversificação: O professor está pronto para embarcar em novas propostas metodológicas de ensino, está mais motivado e criativo, e em busca de aprimoramento profissional.
  • Serenidade e Distanciamento afetivo: O docente apropria-se da racionalidade, e está menos sensível aos problemas externos a sala de aula, e dos discentes. As situações conflituosas em sala de aula, não interferem diretamente em sua dinâmica de trabalho. As prioridades na vida professor não estão diretamente relacionadas a condução das suas tarefas profissionais, desta forma algumas situações não corroboram em um envolvimento do professor.
  • Conservantismo e Lamentações: Está fase é marcada fundamentalmente pela idade avançada do professor (ou muitos anos no exercício da função). Existe um cansaço e resistência a tentar novas metodologias de ensino. Afloram neste período as reclamações contínuas sobre o sistema educacional, a gestão, sobre os alunos e inclusive entre os próprios colegas.
  • Desinvestimento: Surge a dualidade entre a sensação de “dever cumprido” em alguns, e de “até que enfim isto acabou” em outros. Presume-se que neste período, o docente esteja confortável e aberto para refletir sobre sua trajetória, e sobre seu futuro após a finalização do trabalho como docente.

Contudo, mesmo propondo nessa dissertação os ciclos mencionados, vale ressaltar que no universo do Ensino Superior, este professor teve que sofrer adaptações de ordens sociais, pedagógicas, políticas e comportamentais, espelhadas no novo perfil dos estudantes que chegavam à Universidade, resultando assim em uma reinvenção profissional docente.
    As dificuldades de aprendizagem advindas do Ensino Médio ingressam com este novo aluno na faculdade, junto a elas, a falta de criticidade e o julgamento por senso comum das circunstâncias. O acesso às Universidade torna-se não mais privilégio da elite, porém, as inversões sociais acabam acontecendo: maior acesso de alunos da elite social ingressando em Universidade públicas, e pessoas com menores poderes aquisitivos matriculando-se em Universidades particulares, fomentadas por financiamentos governamentais e próprios da unidade de ensino, e por facilidades na contratação e formas de negociação das mensalidades, e essa expansão de oferta e procura, inicia-se por volta da década de 1990 (SILVA, HELOANI, 2015 apud BRITTO, 2008).

“Essa nova população, que chega ao ensino superior após a expansão ocorrida, procura pelos cursos de menor duração, que são os cursos de Educação Profissional Tecnológica” (SILVA, HELOANI, 2015, p.4).    

           O ingresso no Ensino Superior cria nesse aluno a possibilidade e expectativa de uma colocação profissional melhor, bem como, uma ascensão social. O histórico de sua vida trará caminhos para compreendermos o imediatismo e a procura por cursos de menor duração, segundo Silva e Heloani (2015), destacamos:

  • A baixa escolaridade familiar e sua influência no direcionamento estudantil do aluno.
  • A reprovação e/ou interrupção dos estudos na Educação Básica, o que justificam a idade avançada com que esses estudantes começam a entrar no mercado de trabalho.
  • O longo tempo de hiato entre a conclusão do Ensino Médio e o ingresso no Ensino Superior. Existe uma prioridade em estar inserido no mercado de trabalho.
  • Estado civil e o fato de possuir filhos, reduzindo o tempo livre para se dedicarem aos estudos e atividades propostas pelo professor.

O resultado disso será um corpo discente com os mesmos vícios comportamentais e dificuldades cognitivas gritantes procedentes das falhas na Educação Básica (SILVA, HELOANI, 2015). Para Piaget (1967), o desenvolvimento cognitivo ocorre em construções contínuas e incentivadas por elementos do mundo em que está inserido, ou seja, o avanço cognitivo está intrinsicamente ligado à sua capacidade de abstração e apropriação das suas ações.

“Mesmo na universidade a inventividade da equipe de professores precisa ser incentivada na criação ou aperfeiçoamento de programas de aprendizagem que levem em conta as dialéticas das relações sujeito-objeto, organismo-meio, indivíduo-sociedade e aluno-professor, de modo a que sejam capazes de modificarem concepções epistemológicas dos futuros professores” (SOUZA et al., 2013 apud BECKER, 2008).


       Concluímos, portanto, a relevância dos debates sobre bases de modelos ideias de formação inicial docente, e seu contínuo aprimoramento profissional. Uma vez que, o perfil dos alunos na Educação Básica está em constante transformação, refletindo no padrão do corpo discente que ingressará no Ensino Superior. O imediatismo corroborado pela inserção no mercado de trabalho e ascensão social, a falta de bagagem cognitiva e reflexiva, bem como, as questões de história de vida, trazem a esse professor o desafio de buscar novas metodologias e dinâmicas para atingir o maior número de educandos, promovendo um ensino de qualidade e de responsabilidade, e não apenas distribuindo ao mercado de trabalho uma educação bancária como questionava Paulo Freire (1996).           Devemos aproximar o conhecimento produzido pela academia, e fazer dele um produto aplicável ao cotidiano da escola ou da universidade (“pesquisar para a escola, e não sobre a escola”), conscientes das dificuldades e facilidades acarretadas pela evolução tecnológica e a fundamental reorganização e/ou reinvenção do profissional docente, possibilitando assim, o protagonismo do seu aluno no processo de ensino-aprendizagem.



Referências Bibliográficas


BOURDIEU, P. O poder simbólico. DIFEL, Lisboa, 1989.

FREIRE, P., Pedagogia do Oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 57-76 p.

HUBERMAN, M. et al., O ciclo de vida profissional dos professores. Porto Editora. 1998. 31-61 p.

SILVA. P., HELOANI, J. O novo aluno do Ensino Superior em um contexto neoliberal. Universidade Estadual de Campinas – Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação, 2015. 10 p.

SOUZA, G; QUEIROZ, S., DANTAS, D. Avaliação de desenvolvimento cognitivo de estudantes de engenharia numa perspectiva Piagetiana. XLI Congresso Brasileira de Educação em Engenharia COBENGE. Gramado, 2013.

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